Pequenas manchas começaram a aparecer
nos braços, cotovelos, joelhos e couro cabeludo de Caroline Almeida quando ela
tinha 12 anos.
Com o passar dos meses, o tamanho das marcas
avermelhadas aumentou e casquinhas saíam da pele quando a jovem coçava, o que chamou
atenção de sua mãe.
Natural de Cambuí, em Minas Gerais, a família
morava em São Paulo na época e procurou ajuda na rede pública.
Caroline foi encaminhada para uma consulta
com dermatologista, que retirou uma pequena amostra de pele para realizar uma biópsia.
O resultado, que mostrava as células
inflamadas, confirmou a suspeita levantada pela médica de que a jovem sofria de
psoríase, uma doença de pele crônica, não contagiosa e autoimune — o que
significa que o próprio sistema imunológico da pessoa ataca as células
saudáveis.
Cerca de 2,6 milhões de brasileiros sofrem com a doença, segundo estimativa levantada pela SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia). Mas, de acordo com uma pesquisa Datafolha divulgada em outubro de 2020, apenas 6% da população reconhece as lesões causadas pela psoríase.
"Ter uma doença que todo mundo enxerga
causa sofrimento para muitos", diz o psiquiatra Elson Asevedo, diretor
técnico do Caism/Unifesp, hospital que sedia o Departamento de Psiquiatria da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), acrescentando que a falta de
conhecimento pode levar alguns a pensarem, erroneamente, que podem ser
contaminados pelos pacientes que apresentam as manchas.
'Fui chamada de leprosa e nojenta'
"No começo, o tratamento se resumia em
opções de uso tópico, como loção para o couro cabeludo, pomadas e cremes, tudo
com fórmulas manipuladas em laboratório. Resolveu por um tempo, mas na
adolescência fui aos poucos deixando o cuidado de lado", conta.
Passados alguns anos, já na adolescência,
Caroline conta ter conquistado poucos amigos durante os anos de escola e
sofrido bullying com comentários agressivos de colegas.
Toda vez que um episódio de estresse ou
tristeza intensa aconteciam, Caroline diz que as manifestações da psoríase
pioravam. "Toda emoção negativa, se ficava muito nervosa, estressada, ou
mesmo triste, a todas as emoções negativas a minha pele reagia."
Por que emoções afetam a pele?
Estar com os "nervos à flor da
pele" ou "roxo de raiva" são expressões informais populares, mas
que têm explicação biológica.
A derme e a saúde mental estão diretamente
relacionados: a pele, maior órgão do corpo humano, e o sistema nervoso, do qual
o cérebro é o órgão central, têm a mesma origem durante a formação do embrião.
Ambos são derivados ectoderma, o folheto
externo do embrião, que, durante a formação, sofre uma dobra e forma o chamado
tubo neural.
"É uma linha direta entre os hormônios
estressores e os receptores da pele", explica Márcia dos Santos Senra,
coordenadora do Departamento de Psicodermatologia da SBD.
Outro aspecto interessante da relação,
explica o psiquiatra Elson Asevedo, é o componente imunológico.
"Nas doenças autoimunes, como é a
psoríase, o corpo produz defesa contra elementos dele mesmo - é uma
desregulação. A depressão, sabemos hoje em dia, também cursa esse tipo de
alteração imunológica, então há uma 'via de mão dupla' entre as doenças. Uma
das principais hipóteses atuais da psiquiatra aponta que as alterações imunes
para depressão aumentam risco para doença autoimunes."
Uma influência mais direta do ponto de vista
social, também afeta na relação. Se alguém com psoríase sofre episódios
emocionalmente traumáticos, como abuso, violência, bullying, perda de um ente
querido ou separação, há maior chance de desenvolver ansiedade, depressão ou
outras condições psiquiátricas, o que por sua vez piora os quadros
dermatológicos.
'Senti tanta dor que pedi para morrer'
Aos 19 anos, Caroline conheceu o pai de sua
filha. "No início o relacionamento era mil maravilhas, mas com o tempo ele
passou a me culpar por tudo, era abusivo. Até os 7 meses de gravidez, minha
psoríase não doía e eu tinha poucas manchas. Eu estava feliz por estar
carregando minha filha."
"Pouco antes dela nascer, uma discussão
muito feia, que quase acabou em agressão, e em dois, três dias, minha pele
piorou tanto que eu precisei ser internada em Cambuí."
Caroline afirma ter recebido diferentes
medicamentos, mas que nenhum foi capaz de controlar o quadro.
"A médica que me atendeu disse que ela
não estava dando conta, que era melhor me transferir. No mesmo dia fui para
Pouso Alegre. Minha pele estava totalmente aberta, exposta, então precisei ter
o corpo todo enfaixado."
A busca por um tratamento efetivo
Uma droga imunossupressora considerada segura
para a gravidez de Caroline veio de Belo Horizonte e demorou três dias para
chegar.
"Melhorei cerca de 50% e já saí do
hospital andando, coisa que eu não conseguia fazer quando cheguei."
Exatamente um mês depois de receber alta, em
março de 2017, a jovem voltou ao hospital para o nascimento de sua filha.
Com o aconselhamento da médica, Caroline
iniciou então o tratamento com um medicamento da classe chamada de
imunobiológicos, que são remédios produzidos a partir da biologia celular de
DNA humano e programados para modificar pontos estratégicos da resposta
imunológica defeituosa que ocorre em casos de doenças autoimunes.
"Esses medicamentos são indicados para
pacientes com psoríase grave ou moderada que já tentaram outros tipos de
tratamento e não tiveram sucesso. Não é a primeira opção para qualquer pessoa
pois há alguns efeitos colaterais", indica a dermatologista Márcia dos
Santos Senra.
Entre eles, Senra cita possível alteração das
enzimas hepáticas e piora de quadro pulmonares para pacientes com condição
pré-existente. Outras possíveis reações são hipertensão, náusea, alterações de
humor e ansiedade.
"É necessário o acompanhamento regular
com um médico que tenha experiência com essa classe de remédios",
recomenda a médica.
Imunobiológicos já estão disponíveis
no SUS
Caroline recebe a droga por meio do convênio,
mas há cinco opções de imunobiológicos disponíveis gratuitamente no SUS
(Sistema Único de Saúde) para os casos mais graves e resistentes a outros
tratamentos.
"Em quatro meses tomando a medicação eu
já não tinha mancha nenhuma no corpo, hoje ninguém fala que eu tenho psoríase e
estou há oito meses sem crises. Antes, o máximo que tinha ficado era um
mês."
"Penso que eu teria sofrido menos se o
tratamento estivesse disponível na minha adolescência. Teria ido à chácara que
a escola alugou para minha formatura da escola, feito tantas outras coisas… Só
eu sei o que é ter as pessoas me olhando com nojo."
Senra aponta que é uma "vitória
maravilhosa" para o país ter esses medicamentos disponíveis de forma
gratuita, mas reforça que práticas que trabalham positivamente o emocional dos
pacientes ainda são essenciais.
"Técnicas como meditação e autopercepção
ajudam para que o paciente comece a perceber quais são os gatilhos de suas
crises mentais e como lida com as emoções negativas, como raiva e medo, que são
exemplos de emoções que prejudicam o sistema imune. Fazer um trabalho terapêutico
de identificar, perceber e lidar é um trabalho diário que não deve ser
ignorado."
Caroline, que hoje tem 25 anos e trabalha
como arte-finalista [profissional que finaliza tecnicamente peças de design ou
publicidade], afirma exercitar esse autocontrole como parte do seu tratamento.
"Hoje eu tento não me deixar levar pelas emoções momentâneas, mas sim focar em mim — afinal, no fim, é em mim que aquilo vai refletir."
Este texto foi publicado inicialmente em: bbc.com/portuguese/brasil-63824259
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